Para a psicologia, o trauma denomina-se como uma experiência capaz de gerar feridas profundas na
psique de um indivíduo. Feridas essas que podem se manifestar de diversas formas, afetando a
percepção do sujeito em relação ao mundo, ao outro e a si mesmo.
Para Kalsched, analista junguiano autor da obra “O mundo interior do trauma”, esta experiência
geralmente ocorre ao indivíduo em uma fase de desenvolvimento, na infância, momento do qual, nenhuma
das proteções psíquicas são capazes de conter tamanha carga emocional que atingem à criança.
Apresenta-se também uma ausência de vínculo no mundo externo capaz de conter tamanha conjuntura
(Kalsched, 2013, pag. 11).
Desta forma, na ausência de maturidade psíquica capaz de possuir recursos internos, adicionada à
ausência de vínculos externos capazes de tornar tal experiência suportável, compõe-se o trauma, se
apresentando como uma experiência ameaçadora para a personalidade que ainda se encontra em
desenvolvimento.
É possível também compreendermos o trauma como uma repetição de experiências que podem nos levar a
sensações muito primárias de extrema angústia, por exemplo, ainda que não seja vivenciada exatamente
a experiência primal que originou o trauma, algumas vivências já na fase adulta podem nos colocar em
sensações muito semelhantes às vivenciadas inicialmente, porém com experiências distintas daquela
inicial, podemos considerá-las como “gatilhos”.
É certo que a vivência de um trauma, seja ele experienciado na infância, ou na fase adulta, muda a
percepção de mundo de um indivíduo. Ainda que determinada vivência ocorra num momento de
personalidade já constituída, não é garantia que aquele sujeito terá recursos em seu mundo interno
para lidar com determinada situação, ou que existirão vínculos em seu mundo externo capazes de
auxiliá-lo com o acolhimento necessário.
A partir das vivências primárias relacionadas ao trauma, podemos adquirir algumas feridas
emocionais. Em sua obra, As cinco feridas emocionais, a autora Lise Bourbeau, cita cinco das mais
comuns feridas com as quais podemos nos desenvolver, sendo elas: Rejeição, injustiça, abandono,
humilhação e traição (Bourbeau, 2017).
Deste modo, a partir da ferida vivenciada pelo sujeito se guiarão seus afetos e sua percepção de
mundo. Por exemplo, se você vivenciou situações que lhe remetem à ferida de rejeição, diversas
situações em sua vida poderão ser lidas a partir de um sentimento de rejeição, enquanto um sujeito
que vivenciou situações que lhe geraram uma ferida de abandono, poderá sentir emoções que lhe
remetem ao abandono, ainda que se trate de uma mesma situação, a leitura poderá ser completamente
tendenciosa de acordo com nossas experiências individuais.
Dado este espaço de consciência, é necessário que o sujeito passe por um processo de identificação
de tais traumas e feridas que surgiram no decorrer de sua trajetória, de modo, que consiga
compreender parte de suas tendências na percepção do mundo exterior, a fim, de acolher as emoções
vivenciadas em seu interior.
Em resumo, os traumas podem ser lidos na fase adulta como uma intensa falta de amor, não limitado ao
amor romântico, mas àquela falta do acolhimento citada no início deste artigo, quando o sujeito não
foi acolhido da maneira da qual seria capaz de ter suas necessidades emocionais supridas para lidar
com determinada experiência. E isso não significa que este sujeito foi exposto a vulnerabilidade
extrema, teve maus genitores ou uma infância predominantemente ruim, mas que uma série de situações
podem ter lhe causado impactos a gerar estas feridas das quais carrega em sua maturidade, algumas
vezes, não encontraremos um culpado, apenas é necessário acolher os impactos de nossas vivências.
No processo psicoterapêutico, é possível identificarmos alguns dos traumas que podem estar guiando a
sua percepção de mundo, afetando suas relações consigo e com os outros. É neste espaço que pode-se
encontrar o amor que parece ter sido escasso no decorrer da vida, podendo se tratar do amor pela
vida, por si própria, pelos próprios gostos e hobbies, antes mesmo de associarmos ao amor romântico.
Identificar qual a ótica temos utilizado para enxergar o mundo pode te ajudar a identificar os
gatilhos que lhe colocam diante de emoções de extremo desconforto, e assim, acolhê-las. A cura vem
pelo amor, por nós.
Kalsched, D. O mundo interior do trauma: Defesas arquetípicas do espírito pessoal. São Paulo, 2013. Bourbeau, L. As cinco feridas emocionais: Rejeição, injustiça, abandono, humilhação e traição: Como superar os sentimentos que impedem a sua felicidade. Rio de Janeiro, 2017.